segunda-feira, 18 de março de 2013

Relação de Parentesco


A RELAÇÃO DE PARENTESCO NO DIREITO BRASILEIRO

 

Professor: Jorge Ferreira da Silva Filho*

 

1.      O SENTIDO JURÍDICO DA PALAVRA “PARENTESCO”. Os sociólogos foram os primeiros a perceber que nos grupos sociais mais primitivos havia laços muito fortes que prendiam, mais que uma pessoa a outra, o indivíduo a um grupo. Detectaram nesses laços direitos, obrigações e proibições e a isso denominaram parentesco (http://jorgeferreirablog.blogspot.com.br/2012/04/familia-01-minidicionario.html. Sigmund Freud, na obra denominada Totem e Tabu, amparando-se no trabalho de Fraser, pontuou que o sistema totêmico (identificação das pessoas com um totem) criava laços mais fortes “que os laços de sangue ou de família no sentido moderno”.[i] Pesquisando os aborígenes, L.G. Morgan concluiu que os diversos graus de parentesco detectados permitiam desenhar um sistema classificatório de parentesco. O critério para a classificação centrava-se na identificação de costumes caracterizados por  deveres mútuos entre “um indivíduo e um grupo”. [ii]  A identificação de uma pessoa se dava mais por pertinência a um grupo que pela identificação de quem fosse seu  pai ou  mãe.[iii] De comum nos grupos humanos primitivos se encontrava a proibição ao incesto. A exogamia (casamento entre pessoas de grupos distintos)  se instaura como “meio de manter o grupo como grupo”, ou seja, grupo que se identifica por um traço diverso daquele originado no sangue. [iv] No direito romano facilmente se identificava que a relação de parentesco não se baseava precipuamente no elemento consanguíneo, pois havia o parentesco civil (agnação) e o parentesco relacionado com a “comunidade de sangue” (cognação). Curiosamente, apenas os ágnatos entravam na linha sucessória.[v] Atualmente, muitos dos costumes que informavam a relação de deveres e obrigações da pessoa com o grupo no qual vivia (nasceu e cresceu) transformou-se em direito positivo.  Parentesco, atualmente, são relações jurídicas de permissões, proibições, direitos e deveres, de pessoas ligadas entre si por vínculos diversos (consanguinidade; afinidade; adoção; fecundação heteróloga[vi] etc.), porém diferentes daqueles de origem econômica ou relacionados com pessoas jurídicas.

2.      A RELAÇÃO DE PARENTECO NO CÓDICO CIVIL.  O legislador brasileiro, sob a rubrica “Das Relações de Parentesco” dispõe nos artigos 1.591 a 1638 sobre normas gerais a respeito de parentesco, define as categorias de parentesco em nosso ordenamento, discorrendo, em seguida, sobre os  institutos da filiação, do reconhecimento de filhos, da adoção, e do poder familiar. Embora a Constituição Federal proíba qualquer referência à origem dos filhos, o legislador se descuidou e fez expressa referência aos filhos “havidos ou não da relação de casamento”. Apesar disso, o Código Civil 2002 avançou, pois regulamentou situações da realidade atual, como a fecundação artificial homóloga e heteróloga, embriões excedentários[vii] etc. O aluno deve tomar cuidado porque o Código Civil não trata apenas de direito material. Ele versará sobre matéria processual, tais como a competência e a legitimidade para as ações relacionadas com o  parentesco.

3.      A IMPORTÂNCIA JURÍDICA DA EXATA DETERMINAÇÃO DO PARENTESCO. Há muitas legislações especificas que determinam efeitos jurídicos diversos em função do grau de parentesco. São exemplos: No direito processual civil, os parentes colaterais até o 3º grau não podem depor como testemunhas. No direito penal, não há crime contra o patrimônio se o agente e a vítima estiverem vinculados por uma relação de ascendência/descendência. [viii]  No direito eleitoral há várias disposições proibitivas de candidaturas relacionadas com o parentesco. No direito das sucessões, apenas os parentes colaterais até o 4º grau são considerados herdeiros legítimos.

4.      CATEGORIAS DE PARENTESCO. Há duas categorias de parentesco:  parentesco natural; parentesco civil.[ix] O primeiro se funda na existência de relação de consanguinidade. Já o parentesco civil se funda em qualquer  outro critério, acolhido pelo direito, para atribuir  o título de pai ou mãe, a pessoa diversa do pai ou mãe biológico. Diz o legislador que se o parentesco tiver “outra origem”, ou seja, diferente da consanguinea, o parentesco é civil. Seja natural ou civil, o parentesco admite ainda as seguintes subclasses: parentesco em linha reta; parentesco em linha colateral ou transversal; parentesco por afinidade.

5.      O CONCEITO DE GRAU NA RELAÇÃO DE PARENTESCO. A palavra grau, no contexto da relação jurídica de parentesco, significa a contagem entre gerações existentes entre duas pessoas. Assim se diz que o filho é parente em 1º grau dos pais, em 2º graus dos avós e daí por diante. Há duas formas de se estabelecer a contagem das gerações: entre pessoas  que descendem um dos outros (linha reta); entre pessoas  que apenas têm em comum um tronco [x] (linha transversal ou colateral). Por isso, didaticamente, necessário se faz verificar os conceitos jurídicos de linha reta e transversal. 

6.      PARENTES EM LINHA RETA. Diz que as pessoas que “estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes” são parentes em linha reta. Trata-se de definição legal, cuja origem, porém, remonta à ideia de filiação biológica. Porém, quando se trata de parentesco civil, como é o caso da adoção, o adotado é, para todos os efeitos, titular dos direitos e devedor das obrigações que o ordenamento jurídico consagra ao filho biológico. Irrelevante é a consanguinidade, e o adotado passa a ser juridicamente parente em linha reta de 1º grau do adotante.  

7.      PARENTES EM LINHA COLATERAL. As pessoas que são provenientes de um só tronco, sem que exista entre elas a relação de descendência (existência de um dependente da prévia existência do outro), são considerados parentes em linha colateral ou transversal. Um sobrinho, por exemplo, não guarda relação de descendência com o tio ( o nascimento do sobrinho independe da existência ou inexistência prévia do tio), entretanto sobrinho e tios não existiriam sem a prévia existência dos avós do sobrinho, que são também pais do tio. [xi] Diferentemente do que se verifica no parentesco em linha reta, que se perpetua independentemente do grau, o ordenamento jurídico apenas reconhece como  parentes, em linha colateral ou transversal, a pessoa até o quarto grau de geração. [xii]

8.      A CONTAGEM DOS GRAUS NAS DIFERENTES LINHAS. Estabelece a lei que  a contagem de graus na linha reta se faz pelo número de gerações. Na linha colateral a contagem  também se faz pelo  número de gerações, porém, deve-se subir pela linha reta, contando os graus, até encontrar o  ascendente comum. Em seguida desce-se,  “até encontrar o outro parente” na linha reta deste. [xiii]

9.      O PARENTESCO POR AFINIDADE OU VÍNCULO DA AFINIDADE. Diz-se que entre os cônjuges e companheiros não há relação de parentesco. São marido e mulher, companheiro e companheira, mas não são parentes. Entretanto, os parentes da mulher, na linha reta ou colateral, são parentes do marido pelo vínculo da afinidade; e vice-versa. É a lei que enuncia: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. [xiv] No parentesco por afinidade há regras peculiares, destacando-se que somente há vínculo de afinidade com os ascendentes, os descendentes e os irmãos do cônjuge ou companheiro.[xv] Assim, por exemplo, sobrinho ou tio da esposa ou companheira não é parente por afinidade com o marido. Há posições doutrinárias que negam à afinidade inserir-se na categoria de relação de parentesco.[xvi]

10.  PARENTESCO POR AFINIDADE NA LINHA RETA. De modo infinito se estabelece o parentesco por afinidade de um cônjuge com os descendentes e ascendentes do outro cônjuge. A lei também  enuncia que “a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”.[xvii] A sogra permanecerá sogra, ainda que o genro se torne viúvo. O genro não poderá se casar com a sogra, porque os afins em linha reta estão impedidos ao casamento e o vínculo não se extingue ainda que dissolvido o vínculo matrimonial do genro. [xviii] No Brasil não há denominações específicas além do 2º grau na afinidade na linha reta (sogro/sogra; enteado/enteada; pai do sogro; filho da enteada etc.). [xix] Questiona-se a constitucionalidade das normas retro, uma vez que a Constituição consagra a liberdade para a  constituição da família (CF 226, §6º).

11.  PARENTESCO POR AFINIDADE NA LINHA COLATERAL. Como afirmado, o vínculo de afinidade de um cônjuge em relação aos colaterais do outro cônjuge limita-se aos irmãos deste. Daí se pode dizer que o cunhado ou a cunhada de um cônjuge são seus parentes por afinidade. Tal vínculo se extingue com a morte ou dissolução do casamento ou da união estável. Diz-se, pois, que tal parentesco é condicionado à higidez do casamento ou da união estável. [xx] No Brasil, de grande prestígio social é a relação com o concunhado (a), mas não se lhe reconhece nenhum efeito jurídico.

12.  FILIAÇÃO - UMA RELAÇÃO DE PARENTESCO. Uma pessoa, até o estágio atual da Ciência, somente pode ser gerada pelo espermatozoide de um homem e o óvulo de uma mulher. Será filho biológico de um homem e uma mulher. Originam-se, daí, os conceitos de paternidade e maternidade. Para o Direito, todavia, a filiação é um conceito que vai muito além da simples relação biológica: uma pessoa ter nascido de outra. Trata-se de uma “construção cultural[xxi]”; um fato sociológico que ao direito interessou regulamentar.  No caso do direito brasileiro a filiação advém de critérios biológicos e não biológicos. Ao direito não mais interessa se uma pessoa é filho havido de uma “relação de casamento, ou por adoção”.[xxii] Qualquer seja a origem da filiação os filhos “terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. A filiação, portanto, não advém do vínculo biológico, mas de um critério de direito.

13.  PRESUNÇÕES QUANTO À FILIAÇÃO. Se a mulher é casada, presume-se como filho de seu marido, aquele por ela gerado, na constância do casamento: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;  III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.[xxiii] Com a grande evolução científica verificada no controle de técnicas e do conhecimento da fecundação, tornou-se quase desnecessárias as presunções legais sobre paternidade e maternidade fixadas pelo critério do número de dias entre o nascimento do filho e um fato relacionado com a mãe e o pai. As regras sobre a presunção aplicam-se à união estável.[xxiv]

14.  HIPÓTESES QUE ILIDEM A PRESUNÇÃO LEGAL DE PATERNIDADE. O texto da lei reflete claramente uma preocupação do legislador em estabelecer critérios para afastar a presunção legal de paternidade nos idos em que o exame de DNA ainda não era conhecido. Por isso determinou no artigo 1598 do CC que “Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597”. Além dessa disposição excludente da presunção legal de paternidade outras foram fixadas. Assim, a “prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade”.

15.  A REPRODUÇÃO ASSISTIDA. O conhecimento científico e a evolução da técnica permitem atualmente que a vida seja gerada, “independentemente do ato sexual”. A  técnica de fecundação de um óvulo sem a ocorrência do ato sexual se denomina  reprodução assistida. [xxv] O legislador, por descuido talvez, empregou três termos no Código Civil (fecundação artificial; concepção artificial; inseminação artificial)[xxvi], como se fossem técnicas de reprodução. Não é isso. O objetivo do legislador é o de dar efeitos jurídicos diferentes, para  a filiação de quem é gerado por reprodução assistida, em função da concordância ou não do marido com a gravidez da mulher pelo método artificial. Sobre as técnicas na reprodução assistida, há duas que são básicas: o sêmen é conduzido (introduzido) artificialmente pela trompa até fecundar o óvulo que existe no corpo da mulher (fecundação ou fertilização in vivo; GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer)); o óvulo é retirado do corpo da mulher e fecundado em ambiente de laboratório (fecundação ou fertilização in vitro).[xxvii] O Código Civil é insuficiente para determinar os efeitos legais da reprodução assistida. O aluno deve pesquisar também a Lei da Biossegurança (Lei 11.105/05) e a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM 1.358/92).

16.  A FILIAÇÃO DECORRENTE DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA. Diz que há fecundação[xxviii] artificial homóloga quando a fecundação do óvulo da mulher  é realizada com o  sêmen do marido, todavia sem que isso tenha decorrido de uma relação sexual (cópula). A fecundação ocorre por meios científicos (manipulação). Nessa categoria de reprodução assistida (a homóloga) dispensa-se a autorização do marido. Entretanto, como a técnica permite que a fecundação ocorra depois da morte do marido, decorridos 300 dias deste fato, a presunção de paternidade se verifica se existir a prévia autorização para fecundação post mortem.  Diz-se que a fecundação é homóloga porque o material genético é proveniente do próprio casal (do marido e da mulher ou do companheiro e da companheira). A técnica é denominada inseminação artificial. [xxix]  

17.  A FILIAÇÃO DECORRENTE DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA. O legislador denomina heteróloga  a fecundação artificial do óvulo da mulher ou companheira com o sêmen de outro homem que não seja de seu marido ou companheiro. Daí se empregar o adjetivo heteróloga. [xxx] A validade da presunção legal da paternidade ao marido depende de sua prévia autorização para que a mulher se submeta ao procedimento retro. Não há cópula, pois é artificial. O inciso V, do artigo 1.597 do CPC não se preocupa com a técnica empregada[xxxi] para a fecundação, mas com o consentimento do marido. Este não pode ser revogado nem a paternidade impugnada. Uma vez dado o consentimento, a revogação deste implicaria aceitar o venire contra factum proprium. [xxxii]

18.  FILIAÇÃO POR CONCEPÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA DE EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS. O embrião[xxxiii] humano é o ser humano que se desenvolve nas primeiras oito semanas depois da  fecundação de um óvulo com um sêmen. A fecundação na concepção artificial que forma embriões excedentários,  ocorre quando muitos óvulos são expostos aos espermatozoides para aumentar a probabilidade da fecundação. Escolhe-se um óvulo fecundado, ficando  excedentes os demais. A fecundação não se verifica no corpo da mulher, mas fora deste (em ambiente de laboratório). O embrião, uma vez formado, pode se desenvolver na via intra-uterina. Possível também que o desenvolvimento ocorra numa proveta (fecundação in vitro) e posteriormente seja alojado no útero. No Brasil somente se admite a presunção de paternidade para o caso de embriões excedentários em concepção homóloga (do marido e da mulher). Não há previsão legal para a barriga de aluguel (comercialização do útero). [xxxiv]

19.  A BARRIGA DE ALUGUEL. A expressão compreende a ideia de que um embrião será alojado no útero de mulher que não é a produtora do óvulo (mulher diversa do que seria a mãe biológica natural). Se a gestante receber pagamento por isso, ela estará infringindo disposição constitucional que veda a comercialização de órgão, tecido ou substância humana, eis que a Constituição Federal determina que  “ A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.[xxxv]  Entretanto, a Resolução 1.358/92 do CFM permite que, sem fins lucrativos, a mãe, a avó, a neta ou a irmã da mãe genética possa a esta ceder o útero acolher  o embrião formado com o óvulo da parente.  Caem por terra, com o desenvolvimento da técnica de reprodução assistida, as presunções: mater semper certa est; pater is est quem justae nuptiae demonstrant. [xxxvi]

20.  FILIAÇÃO DECORRENTE DA POSSE DE ESTADO DE FILHO - SOCIOAFETIVIDADE. A expressão “posse de estado” tem um sentido jurídico próprio. Ela significa exteriorizar uma situação jurídica que não deriva de filiação biológica ou da adoçãoe. [xxxvii] Na cultura brasileira discursa-se sobre o “pai de criação”. Uma situação de aparência na qual a sociedade identifica uma pessoa como integrante da família formada pelas pessoas que se apresentam como pais. Se a pessoa que se apresenta como filho é criado e educado como tal, além de usar publicamente o nome da família, instaura-se a posse de estado de filho que constitui modalidade de parentesco civil de origem afetiva. [xxxviii]

21.  DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM GENÉTICA.  Filiação e origem genética são institutos  distintos. Estabelecida uma filiação sabidamente advinda por critério não biológico, se ocorrida na forma da lei, paternidade e maternidade são irrevogáveis. Apesar disso, a pessoa tem o direito de conhecer sua origem genética. Não se trata de investigação de paternidade, mas simplesmente direito da personalidade. Por isso, a Resolução CFM 1.358/92 obriga os centros de reprodução assistida, nos casos de pessoas concebidas com gametas de doador anônimo, a manter “de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores”. [xxxix] Em qualquer caso, o doador não é revelado ao investigante de sua origem genética.

22.  ADULTÉRIO DA MULHER E A PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE DO MARIDO. O legislador determinou que o fato de a mulher ter cometido adultério, “ainda que confessado”, não é o bastante para ilidir automaticamente a presunção legal da paternidade.[xl] Ressalta-se que a confissão materna de que seu filho não o é do marido é insuficiente para excluir a paternidade.[xli]

23.  DA PROVA DA FILIAÇÃO.  O instrumento legal de que prova a filiação de uma pessoa é “certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”.[xlii] Trata-se de prova robusta, mas iuris tantum, eis que apesar de ninguém poder “vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento”, isso poderá ser feito,  “provando-se erro ou falsidade do registro”.[xliii] Inexistindo o termo ou sendo este defeituoso, a filiação poderá ser provada por qualquer modo admissível em direito, desde que: haja “começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente”;  existam veementes presunções resultantes de fatos já certos. [xliv])  .

24.  AÇÕES TÍPICAS RELATIVAS À FILIAÇÃO. Normalmente as ações relativas a filiação distribuem-se em duas categorias: ação negatória de paternidade, também conhecida como ação de contestação de paternidade; ação de investigação da paternidade, também denominada ação declaratória de paternidade/maternidade. A primeira cabe para desconstituir a paternidade presumida pela lei. A segunda tem sentido quando a pessoa não sabe quem é o seu genitor ou genitora (investigação de paternidade ou maternidade) e pretende ver essa situação declarada.  Sob o impacto da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, mudanças no pensamento jurisprudencial ocorreram. Surgiu, dentre outras,  a ação declaratória de ascendência genética. [xlv] Por isso, no plano prático, o que interessa processualmente é conhecer quais são os objetos das ações que podem ser movidas: pelo filho; pelo pai; pela mãe; por terceiros.

25.   AÇÃO DECLARATÓRIA DE ASCENDÊNCIA GENÉTICA.

26.  AÇÃO DECLARATÓRIA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. Depois que o TJRS reconheceu a validade da adoção póstuma, ou seja, validar uma adoção que não se deu pelo rito da lei, mas pelo reconhecimento da posse de estado de filho, descortinou-se o acolhimento da filiação sócio afetiva. Isso significa declarar o “pai de verdade” ou a “mãe de verdade”. O efeito dessa sentença declaratória tem primazia sobre a ação de ascendência genética. [xlvi]

27.  Quanto à ação negatória, dispõe o Código Civil que  “cabe ao marido [legitimidade] o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”. Atualmente é pacífico o entendimento de que o filho tem o direito de buscar a negação da filiação que lhe fora atribuída. Uma vez distribuída a ação de negação da paternidade, os herdeiros do impugnante terão o direito de prosseguir na ação. [xlvii]  

 



[i] “O totem é o antepassado comum do clã” (FREUD, Sigmund. Obras psicológicas: Volume XIII: Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.22).
[ii] Idem, p. 26.
[iii] “A linguagem dessas tribos australianas apresenta uma peculiaridade que sem dúvida tem relação com o que estamos tratando: os termos por elas empregados para expressar os diversos graus de parentesco não denotam uma relação entre dois indivíduos mas sim entre um indivíduo e um grupo. Foi isto que L. H. Morgam (1877) denominou sistema classificatório de parentesco. Assim um homem se utiliza do termo pai não apenas par o seu verdadeiro genitor, mas também para todos os outros homens com que sua mãe poderia ter-se casado, de acordo com a lei tribal, e que, desse modo, poderiam tê-lo gerado. Emprega o termo mãe não apenas para a mulher de quem na realidade nasceu, mas também para todas as outras mulheres que lhe poderiam ter dado à luz sem transgredir a lei da tribo; usa as expressões irmão e irmã não somente para os filhos de seus pais verdadeiros, mas tambpem para os filhos de todas aquelas pessoas com que mantém uma relação de pais, no sentido classificatório, e assim por diante”.  (FREUD, Sigmund. Obras psicológicas: Volume XIII: Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.26).
[iv] LEVI-STRAUSS, Claude.  As estruturas elementares do parentesco. 3. ed.  Petrópolis: Vozes, 2033, p. 520.
[v] CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 20. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 108 e 109.
[vi] DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 339.
[vii] CC 1.597, incisos I a V.
[viii] CP 181.
[ix] CC 1593.
[x] “Ancestral comum, do qual se originou uma descendência” (SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995).
[xi] CC 1592.
[xii] CC 1592.
[xiii] CC 1594.
[xiv] CC 1.595
[xv] CC 1.595 §1º
[xvi] Guilherme Calmon Nogueira da Gama já manifestou dizendo que o legislador cometeu equívoco “ao considerar as relações de afinidade como relação de parentesco”. A corrente contrária se ampara no fato de que a relação de parentesco, não mais se ampara apenas em critérios biológicos (LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 183).
[xvii] CC 1.595 §2º
[xviii] CC 1521; II.
[xix] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 189.
[xx] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 190.
[xxi] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 192.
[xxii] CC 1.596
[xxiii] CC 1597.
[xxiv] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 202.
[xxv] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 358.
[xxvi] CC 1597, incisos III, IV e V.
[xxvii] As atuais técnicas de reprodução assistida espraiam-se em quatro vertentes: inseminação artificial; transferência intratubária de gametas; transferência intratubária de zigotos; fertilização in vitro. Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1163, notas 145 a 148.
[xxviii] “No caso de haver espermatozoides nas trompas de Falópio no momento da ovulação, um espermatozoide pode fecundar o óvulo. A fecundação ocorre no terço anterior da trompa (próximo ao ovário) e o zigoto formado inicia imediatamente o processo de desenvolvimento embrionário. O embrião em desenvolvimento vai-se deslocando pela trompa em direção ao útero”. (AMABIS, José Mariano (et al). Curso básico de biologia: os seres vivos. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1985, p. 458).
[xxix] “Aqui a fertilização se faz pelo método GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer), onde há inoculação do sêmen na mulher, sem que haja qualquer manipulação externa do óvulo ou embrião. Há a introdução de esperma no interior do canal genital feminino, por processos mecânicos, sem que tenha havido aproximação sexual. O operador recolhe em uma seringa o material fecundante, injetando-o na cavidade uterina da mulher. Essa técnica pretende auxiliar a resolução dos problemas da fertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes”
[xxx] Diz-se do que é composto de elementos diferentes pela origem ou pela estrutura - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
[xxxi] Comentários ao Código Civil: artigo por artigo. Coordenadores Carlos Eduardo Nicoletti Camill ..[et al]. -São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1163.
[xxxii] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 201.
[xxxiii] “Cerca de quatro semanas após a fecundação, o embrião humano tem perto de 1 cm de comprimento; seus olhos estão em formação e seu pequeno coração começa a funcionar. ... Na oitava semana, o embrião, então, com aproximadamente 2,5 cm de comprimento, já possui forma humana e passa a ser chamado de feto” (AMABIS, José Mariano (et al). Curso básico de biologia: os seres vivos. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1985, p. 461).
[xxxiv] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 199.
[xxxv] CF 199 §4º
[xxxvi] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 362. GONÇALVES,  Carlos Roberto. Direito de Família. Sinopse Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 87.
[xxxvii] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 362.
[xxxviii] “O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil” - (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 365). “A família do terceiro milênio é arquitetada pelo casamento, união estável e pela comunidade formada por qualquer dos pais e o filho, denominada família nuclear, pós-nuclear, unilinear, monoparental, eudemonista ou socioafetiva” (Belmiro Pedro Welter, in: Família e sucessões: relações de parentesco / Yussef Said Cahali, Francisco José Cahali organizadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 419). SOCIOAFETIVIDADE. “O registro espontâneo e consciente da paternidade  — mesmo havendo sérias dúvidas sobre a ascendência genética  — gera a paternidade socioafetiva, que não pode ser desconstituída posteriormente , em atenção à primazia do interesse do menor”... “Ademais, a prevalência da filiação socioafetiva em detrimento da verdade biológica, no caso,  tão somente dá vigência à cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. -  REsp 1.224.957- SC, Rel. Min. Nancy Andrighi; julgado em 7/8/2012. (Boletim IBDFAM N. 76 - setembro/outubro 2012).
[xxxix] LÔBO,  Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204.
[xl] CC 1.600.
[xli] CC 1602.
[xlii] CC 1603.
[xliii] CC 1604
[xliv] CC 1605
[xlv] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 391.
[xlvi] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, P. 393.
[xlvii] CC 1.601.

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